Como finalmente falar alemão?

E desempacar de vez

Jessica Voigt
10 min readMay 18, 2021
Berlim Alexanderplatz ca 1880 Public Domain Art

Algumas semanas atrás me vi em uma situação que é basicamente o pesadelo de qualquer pessoa em um país de língua estrangeira: sofri um acidente, fui parar no hospital e precisei ser operada e passar uma noite lá, tudo isso sozinha … e em alemão! E foi nesse dia também que eu finalmente me permiti me dar o status de fluente em alemão, uma jornada que começou há quinze anos, mas que hoje vejo que não precisava ter durado mais de três.

No segundo semestre de 2018, o alemão era pra mim uma língua que “eu aprendi mas esqueci”, o que significa dizer que eu investi tempo e dinheiro para aprender um idioma e simplesmente não levei pra frente, ficando aquele trauma de “uma língua que é impossível de aprender”.

Foi em uma conversa com uma colega de trabalho que me contava de uma relação semelhante que ela tinha com o inglês que me bateu um estalo e eu percebi que eu precisava “terminar” o alemão. Naquele mesmo dia, me matriculei numa escola de alemão em São Paulo e três dias depois estava cursando o B1… pela terceira vez!

A questão é: se milhares de pessoas das mais diferentes nacionalidades aprenderam alemão, o que que estava me impedindo? Descobri que aprender uma língua tem a ver com dedicação mas, mais ainda, com consistência e mindset.

Quero registrar e compartilhar aqui o que eu aprendi nessa jornada. As dicas servem para qualquer língua, mas vou dar algumas referências de fontes para língua alemã padrão (hochdeutsch).

Entenda o fundo emocional

Minha mãe é (uma excelente) professora de alemão e meu irmão havia morado alguns anos na Alemanha, então vocês podem imaginar que falar alemão tinha um fundo emocional gigantesco pra mim. E isso foi o que mais me atrapalhou em todo esse tempo.

Segundo o livro Mindset, da doutora em psicologia Carol Dweck, a tolerância ao erro é inversamente proporcional ao aprendizado: quanto mais você se frustra porque errou, menos vontade você vai ter de aprender. Com línguas isso ainda é pior, pois muitos acreditam que depois de uma certa idade não é mais possível aprender um idioma, e isso é um mito.

Adultos têm uma capacidade muito maior de compreensão de contextos do que crianças, então dominar ou não um idioma tem muito mais a ver com as horas expostas à língua e com tolerância ao erro do que com a (falta de) plasticidade do cérebro adulto. Se pararmos para pensar, crianças erram o idioma o tempo todo e nós achamos bonitinho, mas quando nós erramos nos sentimos infantilizados.

A questão é que você não está em um púlpito sendo porta-voz da Frau Merkel, você está em um ambiente onde as pessoas sabem que você não domina o idioma e todo mundo está ali para aprender. Saber disso relaxa e te deixa a vontade para imitar os falantes nativos, que é o que as crianças fazem. Quando você tem medo de parecer ridículo, você não se entrega como deveria. Uma outra dica, é ter uma mini-introdução pronta dizendo que você ainda está aprendendo alemão e assim diminuir a tensão na hora de falar com um nativo.

“Quero ver o filme do Úri Alen”

Entender o fundo emocional do meu bloqueio me permitiu traçar estratégias para não ter mais medo de errar: eu passei a evitar falar qualquer coisa em alemão com a minha mãe e o meu irmão, porque ser corrigida por eles tinha um peso muito maior do que ser corrigida por qualquer outra pessoa. E funcionou.

Passei quase todos os sábados seguintes até 2020 em uma sala de aula bravamente estudando alemão e em paralelo passei a desenvolver estratégias que em 2020, com a pandemia, ganharam uma forma final.

Princípio de Pareto

Você já ouviu falar que com 20% do esforço você consegue 80% do resultado? Pois é, isso se aplica a línguas também. De acordo com o instituto Goethe, para a prova do B1 são necessários conhecer cerca de 2.400 palavras e para a prova do C1 cerca de 5.000 palavras. O Duden possui cerca de 145 mil palavras, então podemos concluir que você não precisa saber tudo para saber muito, né? Foco no principal!

Ouvir, ler, escrever e falar

Uma vez escutei que, para aprender alemão, você não pode evitar a língua (“Man soll die Sprache nicht vermeiden”) . É difícil de explicar como a ficha caiu nesse momento. Desde então, todos os dias, eu procuro ouvir, ler, escrever e falar algo em alemão.

Ouvir

Quando eu voltei a estudar alemão eu prometi pra mim mesma que todos os dias eu ia ver pelo menos um video em alemão no youtube. Desde então, normalmente no café da manhã, eu assisto um video qualquer.

Esse foi o primeiro compromisso que eu fiz, e menos de um mês depois meus professores e colegas passaram a dizer que estavam impressionados com o quanto eu havia evoluído em tão pouco tempo.

Eu estava vendo todos os dias algum vídeo do Easy German, que na minha opinião é de longe o melhor canal do youtube para quem está aprendendo alemão. Nele, pessoas são abordadas nas ruas de Berlim para falar sobre temas aleatórios. Eu gosto porque nos videos você aprende além do vocabulário as diferentes pronuncias e vícios de linguagem que, na minha opinião, separam você do idioma de sobrevivência da fluência. Existe também a família Easy Languages com vários outros idiomas e que segue o mesmo formato.

“Zwei, drei, vier, hoooooooch die Gläser mit dem Muuselwein …. bararalalaaaa baralalalaaa”

A verdade é que a gente tem que se conectar com a língua pelo o que a gente gosta e nem sempre isso vai ser por meio de um material feito para aprender o idioma. Essas horas eu acredito que vale a pena de tudo: tutorial de maquiagem, resenha de produto, ou até mesmo baixar um VPN, simular que está na Alemanha, e assistir o que tem disponível no Netflix alemão.

Se você quer assistir coisas não feitas para estrangeiros, você pode acompanhar o Tagesschau , principal jornal da Alemanha e que dura exatos 15 minutos, ou os programas da WRD — Westdeutscher Rundfunk .

Podcasts são outras boas opções para ouvir todos os dias. Existem vários podcasts disponíveis da DW que são focados para quem ainda está no começo como Deutsch, warum nicht? e o famoso Langsam gesprochene Nachrichten mas eu honestamente acho meio chato. Algumas outras opções interessantes são:

  • Easy German Podcast, onde os apresentadores discutem temas aleatórios e que ao meu ver é ótimo para estrangeiros porque eles não falam nem rápido nem devagar demais
  • Auf den Punkt! o podcast diário de notícias do Süddeutsche Zeitung
  • Fest und Flauschig, um podcast que basicamente são dois humoristas falando bobagem
  • Der Tagesschau Zukunftspodcast, que discute como seria o mundo e a Alemanha em cenários hipotéticos
  • Hotel Matze, um podcast de entrevistas com diferentes convidados e diferentes temas

Ah, e tem música também. Se você não conhece artistas alemães, sugiro começar pela playlist colaborativa do @alemaozando , que tem um pouco de tudo.

O principal aqui é ouvir, não necessariamente entender. Está tudo bem se você compreende apenas 20% do podcast e, se esse for o caso, é melhor começar com videos ou podcasts mais curtos para a frustração não ser muito grande.

No começo, eu via os videos do Easy German e lia as legendas em inglês, depois passei a ler as legendas em alemão e hoje consigo ver quase tudo sem legenda. E está tudo bem se eu tiver que voltar um pouco o video para consultar o que aquela pessoa falou porque eu não entendi a pronuncia.

As vezes, eu volto atrás em videos que eu lembro ter tido muita dificuldade de entender e me impressiono como fica mais fácil com o tempo. Lembro até hoje da alegria que foi assistir o video gravado em Trier: na primeira vez eu fiquei muito decepcionada porque eu não tinha entendido quase nada, dali a seis meses vi outra vez e já conseguia entender a pronuncia do vídeo inteiro. O progresso vem muito rápido.

Ler

Todo mundo fala da importância de se ler livros de não ficção (Sachbücher) para melhorar o vocabulário, mas a verdade é que é muito decepcionante levar tanto tempo para ler uma única página e, por isso, a maioria das pessoas acaba se desanimando e desistindo.

Se esse for o seu caso, procure ler qualquer coisa, qualquer coisa MESMO. Aqui vale acessar as notícias em alemão (DW, Süddeutsche Zeitung, Westfälischer Nachrichten, Sie Zeit, Der Spiegel, Frankfurter Allgemeine), Wikipédia, tirinha, site sobre criação de cachorro, propagandas, ou qualquer outro texto.

Se comprometer com o mínimo possível e fazer é melhor que se comprometer com algo grande e não fazer. Então, se você leu “apenas” uma notícia qualquer de uma página todos os dias é melhor do que ter aquele livro em alemão encostado.

Além disso, procure transformar o seu “entorno”: configure o seu computador, celular e redes sociais para o alemão. No começo vai ser desesperador porque você vai querer configurar a impressora e não vai ter ideia de como se faz, mas com o tempo você vai decorar outro vocabulário que bastante útil praticamente na intuição.

Escrever

As duas primeiras atividades são fáceis, mas quando se trata de ficar mais pró-ativo a coisa começa a complicar.

Eu particularmente conto lição de gramática como escrever, e acho que essa é uma forma de ser gentil comigo mesma, porque a lição de casa toma muito tempo. Existem, no entanto, outras alternativas interessantes.

  • Easy German (eu sei, eu sou fã): você pode comentar os videos do youtube ou patrocinar o canal (4 euros por mês) e escrever no fórum do Seedlang sobre o tema dos videos que eles publicam 2x por semana. O legal é que sempre tem alguém corrigindo se você disse algo muito errado ou incompreensível.
  • Whatsapp: se você estuda com uma turma, eu sugiro criar um grupo de whatsapp da sala em que todo mundo se comprometa em falar exclusivamente alemão. Ai vocês podem comentar do filme dos vingadores, série do Netflix, qualquer coisa de interesse coletivo em alemão sem aquela pressão de “estou fazendo um teste”.
  • Amazon.de : pode parecer meio bobo, mas aprendi muita coisa escrevendo resenha de produto em alemão. Você pode comentar em produtos que você tenha mesmo não tendo comprado por lá.
  • Reddit e outros fóruns: outra vez, trata-se de escrever qualquer coisa.

Se você fica receoso de errar muito, sugiro que use o Duden Mentor para se auto-corrigir. Ele funciona como o Grammarly, usando inteligência artificial para detectar palavras e também declinações erradas.

Exemplo de como o Duden Mentor corrige a declinação.

Falar

Bom, chegamos no mais complicado e naquilo que não necessariamente você vai conseguir fazer todos os dias, e é uma pena porque é o mais importante de todos. Falar exige um raciocínio rápido e faz com que você utilize o vocabulário que aprendeu lendo e ouvindo e, vamos ser sinceros, é pra isso que você está estudando uma língua.

Existe gente que consegue falar consigo mesmo e assim treinar a construção desse raciocínio. Mas no meu caso, eu acabo pensando como falar coisas aleatórias em alemão como “nossa, como será que se fala onde o Judas perdeu as botas em alemão?” (“Wo sich Fuchs und Haase gute Nacht sagen”).

Bom, se você faz aulas de alemão uma ou duas vezes por semana já são dois dias a menos com essa preocupação, e os outros dias?

Um opção é usar um aplicativo de Tandem e marcar sempre que possível uma conversa de meia hora com alguém em alemão. Outra solução legal que tinha em São Paulo era o Deutscher Stammtisch SP e os encontros semanais no SESC Pinheiros (que eu nunca ia porque era no horário da minha aula de alemão).

Sendo honesta, não sei se esses encontros estão acontecendo por conta da pandemia, mas novamente você pode usar a sua turma de alemão ou pessoas dos outros níveis e criar o seu próprio Stammtisch (virtual e, quando puder, presencial).

O importante é não se sentir limitado pelo fato de não estar em um país de língua alemã, até porque é possível estar na Alemanha e passar dias sem falar alemão (principalmente na pandemia) . Falar é algo que muitas vezes demanda esforço e pró-atividade.

Sendo gentil consigo mesmo

Existiu uma época na minha vida em que a única dedicação que eu conseguia dar ao alemão era comparecer as aulas. Eu fazia a lição de casa no próprio metrô, de pé, a caminho da aula, e cansei de entregar uma folha toda amassada com um garrancho e chamava aquilo de redação da semana.

Naquela época foi muito importante ter um professor que entendeu que eu tinha passado a semana viajando em compromissos do trabalho e que me dizia “Obrigada por ter vindo hoje” ao invés de me fazer me sentir mal porque eu não tinha feito as obrigações fora da sala.

Certamente eu poderia me organizar melhor, mas eu estava genuinamente cansada. Em compensação, a compreensão do meu professor me dava energia e fazia com o que , ao menos naquelas três horas de aula no sábado de manhã, eu me dedicasse 100% a aula.

Conseguir todos os dias cruzar o checklist “ouvir, ler, escrever, falar” é muito importante, mas também temos que ser gentis quando a vida está corrida. Nessas horas, procure fazer pelo menos o mínimo: escrever uma mensagem ou mandar um audio no whatsapp para seus colegas de sala é melhor que não fazer nada. Escutar um podcast de 15 minutos ou assistir um video no youtube no ônibus é melhor que não fazer nada. Essas pequenas coisas interferem MUITO no seu progresso, e te fazem ir para frente, ao invés de ficar empacado.

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Jessica Voigt
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Written by Jessica Voigt

Brazilian data and political scientist. Research Assistant at Donau Universität Krems. Former German Chancellor Fellow at Alexander von Humboldt Stiftung

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