Faça fichamentos como um profissional

Jessica Voigt
7 min readAug 25, 2022

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Disclaimer: Se você usar o seu tempo lendo esse texto e seguindo os tutoriais, você economizará muito tempo e energia no futuro :)

Eu costumo receber muitas perguntas de amigos que estão entrando na pós-graduação com dúvidas sobre como pesquisar e fazer um texto acadêmico. Eu também tive a mesma dúvida quando eu entrei no mestrado em Ciência Política, afinal até aquele momento as leituras eram de alguma forma sintetizadas em sala de aula, e pela primeira vez teríamos que lidar com uma pesquisa de anos com a demanda de uma longa bibliografia. Como lidar com o excesso de informação e como garantir que algo lido hoje ainda poderá ser aproveitado daqui há três anos?

Nesse texto, vou compartilhar com vocês uma técnica que eu uso e venho aprimorando há muitos anos, e sugerir as ferramentas que eu encontrei para transformar a revisão bibliográfica em algo mais dinâmico e menos sofrível.

Eu vou conscientemente pular a parte de seleção de bibliografia, já que existem alguns textos acadêmicos dedicados exclusivamente a isso. Além disso, acho que essa é a tarefa fundamental da orientadora / orientador. A academia tem o péssimo hábito de achar que todo mundo tem que nascer sabendo, e as perguntas mais básicas normalmente ficam sem respostas: como eu sei que um texto vale a pena ser lido? Como eu priorizo as leituras? A resposta varia de disciplina para disciplina. Se você ainda não teve essa conversa com a sua orientadora, sugiro que tenha o mais rápido possível.

Texto lido é texto fichado

Esse é o maior mantra que você, aluno de pós-graduação, deve ter de hoje em diante. Só não fiche um texto se você tem 100% de certeza que ele não serve para você.

Um fichamento não deve ser uma coisa longa e extensa, e deve procurar responder a perguntas básicas elaboradas antes da leitura e que dizem respeito ao tópico ao qual o texto pertence. Vou aqui usar um exemplo da bibliografia que eu estava pesquisando para um artigo recente que eu escrevi: o meu tópico era buscar a relação entre políticas de dados abertos (open data) e combate à corrupção. Logo, esses eram os dois macro-tópicos que eu iria pesquisar. Para a literatura de open data, eu fiz as seguintes perguntas:

  1. Qual é a ideia central do texto?
  2. Como open data é definido no texto?
  3. Como esse texto se relaciona com o restante da bibliografia?
  4. Citações

Apenas quatro perguntas, e os meus fichamentos não tinham mais de duas páginas. As perguntas não precisam ser tão genéricas, e é normal que elas mudem ao longo da pesquisa, pois você vai entender mais sobre o assunto.

Eu recomendo, no entanto, que sempre exista a pergunta “Como esse texto se relaciona com o restante da bibliografia?” , porque ela é, na minha opinião, a que você mais vai aproveitar dos seus fichamentos. Para vocês terem uma ideia, na fase final do meu mestrado essa foi a minha principal matéria-prima de escrita, e eu chegava a escrever mais de 5 páginas por dia só baseado nesse trabalho que eu já tinha feito.

Onde armazenar os fichamentos?

Essa é uma excelente pergunta, porque depois de passar cerca de um ano lendo um monte de coisa, você quer ter fácil acesso aos fichamentos, né? No meu mestrado eu fiz um dropbox com documentos word e cada arquivo era nomeado de acordo com a referência bibliográfica (ex: “Vetrò et. al., 2016”). Mas acontece que eu tenho uma memória visual muito boa, e eu consigo lembrar sobre o que o fichamento se refere se eu faço um desenho ou coloco alguma outra imagem visual naquele arquivo. Há também a opção de armazenar nos reference managers (Zotero e Mendeley) e eu falo um pouco disso mais adiante.

Nos últimos anos eu tenho utilizado o Notion, que é simplesmente a plataforma que eu uso para armazenar todo o tipo de informação: de regras gramaticais em alemão, listas de coisas pra fazer até fichamentos.

De uma maneira mais simples, você pode criar uma nova página uma Database — Full Page que vai armazenar os seus fichamentos. Ela vai ter a cara de uma planilha, e você pode adicionar informações que te ajudem a se orientar na organização de informações, como Tags e data de fichamentos:

Exemplo da minha página do Notion para o artigo de open data e combate à corrupcao

O Notion permite que cada entrada da tabela vire uma página, e lá dentro é onde eu coloco os fichamentos:

Página de fichamento, “dentro” do Notion database

Mas dá pra melhorar…

Esse sistema já estava muito bom, mas eu ainda tinha um problema: o retrabalho para administrar a bibliografia no Zotero e no Notion.

O Zotero é um reference manager parecido com o Mendeley, com a vantagem de possuir plug-ins tanto para o Microsoft Word, LibreOffice e Google Docs. Se você não sabe o que são esses softwares, pare tudo o que você estiver fazendo e veja esse tutorial. O Zotero te economiza horas, senão dias ao organizar referências bibliográficas no seu texto.

Agora, inserir as informações dos artigos no Zotero demanda algum trabalho. Uma forma mais simples de fazer isso é baixando o arquivo PDF do artigo e subindo no Zotero, que usa os Metadados do arquivo para preencher os campos do texto. Eu costumava fazer assim, mas eu cheguei a conclusão que para mim não era o jeito mais eficiente. Depois de ler um texto (eventualmente grifar) e fichá-lo, a minha intenção é nunca mais olhar ele na vida. Textos acadêmicos nas ciências humanas são muitas vezes confusos, mal-escritos e cheios de jargões.

[ALERTA PEQUENO DESABAFO] Não quero desmerecer o trabalho dos pesquisadores, mas sou uma profunda crítica da lógica de escrita acadêmica que é feita apenas para os pares. Se uma parte fundamental do seu trabalho é escrever para comunicar um achado científico, você tem que garantir que a sua escrita seja objetiva e compreensível. Infelizmente não é o pensamento dominante, apesar de que estou vendo uma grande mudança nisso vindo dos pesquisadores mais jovens que, acho, são como eu influenciados por grandes divulgadores científicos como o Yuval Noah Harari, Átila Iamarino, Nina da Hora, Filipe Nobre Figueiredo e tantos outros que trazem a ciência e o conhecimento para uma linguagem acessível e contribuem com a sociedade.

Voltando, um bom fichamento presume que você não vai mais abrir o texto e vai se guiar apenas pelas suas anotações. Sendo assim, eu não precisava mais do que o link para o texto para uma eventual consulta.

A solução tem sido usar o plug-in do Zotero Connector, que está disponível para Chrome, Firefox, Safari e Edge. Uma vez que esse plug-in está instalado no seu navegador, basta procurar o texto no Google Acadêmico, clicar em “Citar” e depois clicar em RefMan que ele salvará as informações automaticamente no Zotero :)

Utilizando o plug-in do Zotero Connector

É importante mencionar que você pode fazer os fichamentos diretamente no Zotero, na parte de Anotações. Eu tentei fazer isso por um tempo, mas eu nunca achei que esse fosse o melhor método de anotação para mim por duas razões:

  1. É esteticamente feio, e como eu disse eu sou uma pessoa visual. Formatar as anotações dava mais trabalho do que no Notion ou no Word, e a estética do aplicativo acaba “escondendo as anotacoes”. Pode parecer bobagem, mas comigo não dava certo.
  2. Eu não uso o Notion apenas como armazenador de fichamentos, mas como o principal programa de anotações de todas as áreas da minha vida. Então dentro de um projeto eu tenho não só os fichamentos, mas páginas dedicadas a rascunhos sobre os temas pesquisados. Nesse sentido, copiar e colar uma coisa do Notion para o Notion acaba sendo mais prático para mim.

Dito isso, ainda faltava integrar o Notion com o Zotero. Ai eu descobri que o maravilhoso David Vanoni criou a extensão Notero, que transmite as informações do Zotero automaticamente para o Notion. Aqui você encontra o link para a extensão e as explicações escritas (em inglês), mas eu achei bem mais fácil ver o tutorial através do vídeo da Holly Jane abaixo:

Importante: quando você importa a referência pelo Zotero Connector, ela não vai automaticamente para o Notion. É um pequeno BUG que deve ser consertado com o tempo. Para atualizar automaticamente, você precisa manualmente modificar alguma informação na ficha do texto no Zotero. Normalmente eu adiciono o DOI ou o link de acesso ao texto, informação que nunca vem nos metadados. Feito isso, a atualização é automática.

Conclusão

Espero que essas informações tenham sido úteis, e fique a vontade para compartilhar técnicas de armazenamento de informação / softwares / Life hacks para Notion nos comentários :)

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Jessica Voigt

Brazilian data and political scientist. Research Assistant at Donau Universität Krems. Former German Chancellor Fellow at Alexander von Humboldt Stiftung